terça-feira, 21 de outubro de 2014

Verdade, Mentira e Erro, o desenvolvimento do repertório comportamental do mentiroso.

Em um post anterior o autor desse blog dissertou sobre a Verdade e a Mentira em uma perspectiva histórica, filosófica e dentro da Análise do Comportamento como ela pode ser entendida. Ficou porém uma lacuna do modelo teórico descritivo do como o repertório de dizer a verdade e o de mentir se desenvolvem, tendo um foco maior nas Contingências de Reforçamento.


Basicamente Mentir é emitir um operante verbal que não corresponde com o estímulo discriminativo não observado pela comunidade verbal, estando esse operante sob controle de uma operação motivacional (OM) ao invés de estar sob controle da situação anterior (Sd). Em outras palavras, é emitir um Mando com a topografia de um Tato. 

Para isso, o primeiro repertório a ser desenvolvido para que o episódio da mentira ocorra é o treino e o desenvolvimento dos tatos, a Figura 1 traz um esquema lógico do treino e desenvolvimento do repertório de Tato: 



O Tato é o operante verbal sob controle do estímulo discriminativo antecedente e é reforçado pela comunidade verbal pela correspondência convencionada entre o estímulo antecedente e o operante verbal do falante com reforçamento condicionado. O treino de tato é efetuado pela comunidade verbal quando essa tem acesso a correspondência entre o que o falante diz e o estímulo discriminativo que controla o comportamento do falante, é quando uma criança pré-verbal diz Bola quando vê uma Bola, e o adulto diz muito bem! É importante frisar que o estimulo reforçador do Tato deve ser independente do estado de privação do qual o falante se encontra, bem como não relacionado a estimulação aversiva, ou seja, deve ser um estímulo reforçador condicionado. Um efeito secundário do treino de Tato é o reforçamento de um operante de 2ª ordem: "A Correspondência", que se torna um estímulo importante para a discussão da Verdade e Mentira. A Figura 2 mostra o modelo funcional do dizer a verdade: 



A comunidade humana depende de tatos para sobreviver, pois não haveria coesão sem o valor informacional do Tato, é por isso que ela se preocupa em ensinar e transmitir a prática de ensinar tatos pelas gerações futuras, uma prática cultural que provavelmente se iniciou com os primeiros hominídios verbais. Como já foi dito aqui, para que o tato exista é necessário a "Correspondência", essa correspondência deve prevalecer frente a outros objetivos, para isso a cultura criou uma palavra específica para descrever uma situação em que o falante se comporta sob controle da correspondência: "Verdade", e esse repertório é altamente valorizado pela cultura. Pensando assim, porque as pessoas mentem? Nem tudo é tão simples, a mentira é muito tentadora para o indivíduo, enquanto que a verdade é importante para a cultura. 
Importante para o indivíduo como? Imagine uma situação de uma criança que quebra um vazo em casa ela imediatamente vai e diz a verdade para a mãe que se irrita sob controle do vazo quebrado, e não sob controle da filha estar dizendo a verdade, e pune a menina com uma bronca, castigo, ou mesmo um tapa. Em situações futuras a probabilidade da menina ao cometer algum comportamento "arteiro" tenderá a emitir um operante verbal diferente do fato ocorrido (Sd).

A Figura 3 mostra esse exemplo de maneira funcional e esquemática: 


Esse tipo de mentira é a mentira por fuga-esquiva, no exemplo usado, especificamente por esquiva, em que Operação Motivacional é a "Travessura" da criança, que evoca o comportamento de esquiva de emitir qualquer resposta verbal diferente da que ocorreu (Sd), o reforço é sustar a punição da mãe (R-). 
Esse tipo de repertório comportamental de Mentir por Fuga/Esquiva, favorece o indivíduo em detrimento da comunidade verbal ao qual ele faz parte, e não precisa ser treinado arbitrariamente, ele se desenvolve naturalmente para que aprendamos a fugir de punições excessivas, inicialmente de pais punitivos e pouco sensíveis, e posteriormente de uma cultura que tem altas exigências de valores e pouco conhecimento das condições que  tornam esses valores mais abundantes. Basicamente esse é o mentir para sobreviver. 
O passo seguinte da evolução do repertório de mentir é o obter vantagens mentindo, ou seja, mentir sob controle do Reforçamento Positivo. 
Imagine um outro exemplo de um sujeito que passou por treinos parecidos com os anteriores, Treino de Tato e Treino de Mentira por Fuga/Esquiva, e desenvolveu um repertório razoável de Mentir. Em uma situação em que ele mente para se esquivar de uma possível punição, por exemplo, um aluno em uma sala de aulas que não havia participado do trabalho em grupo com os colegas para jogar video-game, pede para os colegas colocarem seu nome no trabalho para que não fique sem notas, em uma situação posterior o professor pergunta para tal aluno se ele havia gostado do trabalho, e o aluno faz um comentário como, "Nossa adorei, você devia passar mais trabalhos assim, é um assunto que me interessa!" E o professor diz que ficou muito feliz com isso, e deu um ponto positivo a mais para o aluno. 

Nesse caso, incidentalmente o comportamento de Mentir por Fuga/Esquiva produz além da evitação da punição do professor, um reforçamento positivo de bônus. Ou seja, mentir agora não está limitado apenas a se livrar de problemas, mas também ganhar vantagens. Vendedores, políticos, galanteadores, dentre outros, se comportam dessa maneira. O sujeito com esse repertório de Engodo, geralmente é chamado de Desonesto, Mentiroso, ou Mal Intencionado. A Figura 4 exemplifica esse derradeiro processo: 





Para finalizar deixo o modelo de erro para ficar bem nítida a diferença funcional entre o Mentir, seja ela por Fuga/Esquiva, seja ele pela obtenção de Reforço Positivo, diferente de dizer algo não correspondente simplesmente por essa correspondência não ter sido treinada, que culturalmente é chamado de Erro. 



A ciência da Verdade, da Mentira e do Erro, é de extrema importância para quem trabalha clinicamente, pois estes modelos dão pistas de quais contingências podem estar operando e instalando o comportamento naquele tipo mentiroso, bem como programar contingências para um desenvolvimento maior do Falar a Verdade, que é uma característica de extrema importância para a continuidade de nossa cultura. 






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